30 novembro 2009

sempre que precisares

Sempre que precisares estarei aqui no meu canto, a ver-te crescer. A dar-te as armas do amor e da razão para te defenderes dos outros. Não, não são maus. São apenas outras pessoas que sem saber magoam o coração. Se precisares estarei aqui a ver-te brilhar nas ondas grandes de outros mares. Tenho bóias e salva-vidas para te atirar. Espero-te na praia com a toalha limpa. Se precisares estarei aqui no meu canto a ver-te dançar, numa rumba de ideias e ideais, estou aqui neste canto do salão para te aplaudir e amparar. Se precisares, e quando precisares voar vou-te ajudar a colocar as asas brilhantes. Se precisares estou aqui, no meu canto, enquanto cresces, voas, brilhas e danças. Se precisares também tenho um beijo para te dar, filha.

Natal

lá fora já se aproxima o frio dos dias quentes de coração. Os dias em que estamos juntos finalmente daqueles que nos conhecem a vida toda. Dos dias em que ainda há em alguns olhos ilusões de estórias antigas. Os dias em que se é mais solidário. Os dias em que devemos estar juntos. Lá fora já há luzes que fazem brilhar olhares. Lá fora estão os carros e o fumo que sai da boca quente das pessoas. Lá fora há sacos, embrulhos de pequenos sorrisos. Durante anos e anos que estes pequenos sorrisos enchem grandes corações. Lá fora tiram-se fotos com os velhos vestidos de vermelho. Com barbas tão brancas de algodão. Os embrulhos com as fitas que os unem e rodopiam laços bonitos para os olhos, laçarotes que alimentam lareiras de cores eternas. Lá fora brinda-se com o vinho que está na mesa da casa, finalmente, a casa. Com cheiro a fritos de sonhos. Fica-se com o açúcar nos dedos. Fica-se com o açúcar no olhar, no coração. Lá fora já está o Natal. Cá dentro ainda se espera pelo saco de água quente que se finge que aquece o coração.

20 outubro 2009

castanhas

São estes dias que nos fazem escrevinhar
Que nos fazem pensar e assim sentir.
São estes dias em que a chuva se apodera do coração e nos faz chover por dentro. Mas esta chuva também é boa. Já reparaste que a seguir a muita chuva, o dia fica mais claro, parece que limpa.
Por isso gosto que às vezes chova no coração. No meu, quando chove, a seguir vem a luz. A claridade. Ontem choveu no meu coração. Salpicou outros sítios também….os pulmões, deve ter sido, parecia que me custava respirar...inspirar, e acima de tudo, expirar.
Sabes, há dias assim, que nos fazem escrevinhar. Dias de espera, de expectativas, dias de Outono. O Outono é a espera do Inverno. A preparação para o frio. A espera, a transição. Quando o Outono chega às ideias, faz com que as palavras caiam como as folhas. Outras, as perenes, permanecem. Como as palavras. Sabes, às vezes há Outonos nos corações, nas ideias, nas palavras, nos olhares. Ontem e hoje fiquei com ele. Esta doce melancolia que me faz querer reviver palavras, folhas que caem, cheiros de Outono que permanecem. Mas o meu Outono é sempre cheio de toques de verão. Sabes, há dias assim, melancólicos, nostálgicos, com sabor àquela doce solidão. Àquela solidão que faz emergir um sorriso doce, quente e bom. Como as castanhas.

11 setembro 2009

Eterno, Carlos Drummond de Andrade

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo,
mas com tamanha intensidade, que se petrifica,
e nenhuma força jamais o resgata!

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência.
Acenando o tempo todo,
mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.
Difícil é segui-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas,
ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber..
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta.
Ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma.
Sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém.
Saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou “como vai”?
Difícil é dizer "adeus".
Principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois.
Amar e se entregar.
E aprender a dar valor somente a quem te ama.

Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá...

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz.

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer.
Ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.

27 agosto 2009

As Armas do Amor

Desarmem
os campos minados da ignorância
onde se infiltra friamente
o preconceito, esse sim, fatal, letal, brutal
e não há senso que lhe valha
o preconceito desempalha
animais incongruentes
atacando pela trilha
de uma ilha outrora virgem
Aparência da virtude
O preconceito nunca falha
flecha certeira
na esteira
da inocência
aparência de virtude
E por mais que se escude
na justificação pseudo-ética
cosmética, caquética
do seu valor de guardião das morais
vitais pra lá do ano 2000
o preconceito não tem estado civil
é casado com a morte
divorciado da vida
é viúvo de si mesmo
é solteiro e por junto separado
suicida

Desarmem o preconceito!

Armem por favor as armas do amor
amor no sentido primeiro e secular
armem o mar
armem o vento p´ro uso depois
vão e regressem depois
mas por quem sois
mas por quem sois
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem por favor
as armas do amor

Desarmem
as metralhadoras côr-de-cinza
que defendem
a condescendência
cautelosa, lacrimosa
das decisões oficiais
carimbadas despachadas
e só por isso legais
mas que vão milhas atrás
das atrozes realidades
que o corpo grita
e a alma berra
A condescendência não desferra
No cofre forte onde se encerra
a planificação ponderada
de um problema complexo
há soluções de fachada
2 mil mortos perfilados na parada
há palestras sobre sexo
é um problema complexo
nosso dano se ninguém resolve nada
ano após ano
2 mil mortos perfilados na parada
1 por ano
nossa escada em caracol para o nirvana

Desarmem a condescendência!

Armem por favor as armas do amor
amor no sentido primeiro e secular
armem o mar
armem o vento p´ro uso depois
vão e regressem depois
mas por quem sois
mas por quem sois
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem por favor
as armas do amor

Desarmem
a pose altiva
emproada gargalhada
que veste a incompetência
incipiência
disfarçada de suma
sabedoria
quem diria
quem diria que debaixo de uma
só alegoria
tanto exemplo existiria
Exemplos de incompetência
são aos montes, são às serras
impossíveis de escalar
passos vãos, inúteis guerras
A incompetência é incapaz de se olhar
o cadáver inocente
é olhado pelo soldado incontinente
pelo menos é um olhar
a incompetência, nem pensar
nem pensar
em juntar o resultado à vontade
o sonhado
à realidade
e do real
partir para a utopia
menos mal
assim seria
menos mal

Desarmem a incompetência!

Armem por favor as armas do amor
amor no sentido primeiro secular
armem o mar
armem o vento p´ro uso depois
vão e regressem depois
mas por quem sois
mas por quem sois
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem por favor
as armas do amor

Desarmem
a boa consciência arrogante
altissonante, complacente
da intolerância religiosa
da intolerância civil
da intolerância, tanto faz
desdenhosa e incapaz
de intuir na diferença
a trave-mestra desta vida
sal da vida
A intolerância é uma água envenenada
rota em jorros mas dos gritos
só sai água silenciosa
a mais perigosa
engrossa rios, traz detritos
traz a caixa das esmolas
flutuando já tombada
penetra casas e escolas
leva livros
ditos sagrados
mas levados
mais à letra
que a própria letra
das suas margens
e assim pondo-se à margem
dos próprios rios sagrados

Desarmem a intolerância!

Armem por favor as armas do amor
amor no sentido primeiro e secular
armem o mar
armem o vento pro uso depois
vão e regressem depois
mas por quem sois
mas por quem sois
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem as armas do amor
armem por favor
as armas do amor

25 agosto 2009

Liberdade

Nos meus cadernos de estudante
Na escrivaninha e nas árvores
Na areia nevada
Escrevo o teu nome

Nas páginas lidas
Em todas as páginas brancas
Pedra sangue papel ou cinza
Escrevo o teu nome

Nas imagens douradas
Nas armas dos guerreiros
Na coroa dos reis
Escrevo o teu nome

Na selva e no deserto
Nos ninhos entre as giestas
No eco da minha infância
Escrevo o teu nome

Nos meus trapos de caloiro
No açude de sol bafiento
No lago de lua esperta
Escrevo o teu nome

Nos campos no horizonte
Nas asas dos passarinhos
No moinho tenebroso
Escrevo o teu nome

Em cada sopro da manhã
No mar e nos navios
Na insensata montanha
Escrevo o teu nome

Na espuma das nuvens
E nos suores da borrasca
Na chuva densa e insípida
Escrevo o teu nome

Nas formas cintilantes
Nas cores dos sinos
Na verdade física
Escrevo o teu nome

Nos caminhos conscientes
Nas estradas estendidas
Nas praças que trasbordam
Escrevo o teu nome

Na lâmpada que se acende
E naquela que se apaga
Nas minhas razões reunidas
Escrevo o teu nome

No fruto cortado em dois
Do espelho e do meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo o teu nome

No meu cão glutão e terno
De orelhas levantadas
Na sua pata desastrada
Escrevo o teu nome

No limiar da minha porta
Nos objectos familiares
No rolo de fogo sagrado
Escrevo o teu nome

Em toda carne acordada
Na testa dos meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo o teu nome

Na janela de surpresas
E nos lábios comoventes
Mais longe que o silêncio
Escrevo o teu nome

Nos refúgios destruídos
Nos meus faróis extintos
Nos muros do meu tédio
Escrevo o teu nome

Na vacuidade sem desejo
Na desnuda solidão
Nas escadas da morte
Escrevo o teu nome

Na saúde reencontrada
No risco extraviado
Na fé sem recordação
Escrevo o teu nome

E pelo poder duma palavra
Recomeço a minha vida
Nasci para te conhecer
Para te nomear.

Paul Eluard
in Poésies et vérités, 1942

19 agosto 2009

estrela da tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

(Ary dos Santos)

sorrio

para mim. Passo a mão pelo meu ombro e digo: aqui me tens, aqui te tens. Sussuro-me ao ouvido: vais conseguir. tu és capaz. no meio disto tudo que criaste também vais ser capaz de ver o fim do novelo.
Olho mais uma vez para mim e suspiro. Penso: chegaste aqui tão depressa. nem dei por ti. nem dei por ter passado estes anos: 10, 20? e tu ainda assim, e tu ainda à procura do mesmo. Vais conseguir, digo-me. Não estás só, digo-me. Tens-te a mim.

17 agosto 2009

como

custa que os dias passem e este eco de nada na minha vontade.
Como custa estar aqui sem nada para oferecer.
Como custa falar e não ser ouvida.
Como custa ver-me morrer devagar, devagar.
Como custa tentar vir à superficie e respirar
Como custa esperar
Como custa esforçar-me por escutar
Como custa tentar
Como custa sorrir
Como custa desejar
como custa, quanto custa, ate quando?

12 agosto 2009

Palavras

Vi trigo vi fome
vi ferros vi feras
vi ruas vi nomes
vi grades vi esperas

vi armas vi muros
vi lutas vi mortes
vi surdos vi mudos
vi fracos vi fortes

vi mares vi terras
vi negros vi servos
vi fardas vi guerras
vi balas vi nervos

vi corpos vi cardos
vi fama vi glória
vi punhos vi cravos
vitória vitória

vi abril vi povo
vi rosto vi espanto
vi nosso vi novo
vi pouco vi tanto

tão cedo tão cedro
tão certo tão perto
tão raiva tão medo
tão mar tão deserto

tão lua tão leve
tão pobre tão pouco
tão fúria tão febre
tão longe tão louco

tão alto tão erva
tão raso tão resto
conversa conserva
tão lento tão lesto

tão urze tão hoje
tão zero tão tojo
tão fica tão foge
tão ontem tão nojo

tão mata tão morra
tão égua tão água
tão pinho tão porra
tão merda tão mágoa

Joaquim Pessoa in
125 poemas: antologia poética, p. 51-52

10 agosto 2009

os dias perfeitos

foram feitos de maresia. os dias perfeitos sabem a sal. ficam com areia no cabelo.

Nos dias perfeitos ouve-se música ao fundo que pensamos ser apenas para nós, a pele está macia, o cabelo acaricia os ombros.

Nos dias perfeitos há uma brisa que me abraça o corpo. Nos dias perfeitos não me sinto eu. Nos dias perfeitos há uma oliveira, e muita poeira. Nos dias perfeitos nem penso que são dias perfeitos....

09 agosto 2009

fases

as voltas que a vida dá faz com que muitas palavras fiquem por dizer. Não que não as sinta, não que nao as oiça na minha cabeça, mas dificilmente chegam à ponta dos dedos. Palavras que, muitas vezes, são só minhas e não podem nem devem ser partilhadas com outros. Mesmo que esses outros sejam aqueles que mais bem me querem. Por isso as palavras passaram como os dias. Formam dias, semanas e meses onde nada se escreve para os outros.
São fases da minha vida. Fases que não chegam aqui, fases rápidas, fases que são retomadas. São fases ou será que fazes?........

11 maio 2009

e quando

aos 4 anos, se diz à prima mais velha 3 anos, isto: "não nos vamos chatear por causa de um lápis, pois não?".....significa realmente o quê?

05 maio 2009

amanhã

faço anos. 36.
Parece que estive a dormir nestes últimos anos. Há coisas que não me lembro como as consegui. Percebi que, afinal, eu não controlo a minha vida. Posso eventualmente, decidir no ínfimo leque de eventuais escolhas.
Os caminhos cada vez mais delimitados, as perspectivas cada vez menos amplas. A areia entre os dedos, a escorrer. 36 e a contar....
parabéns

24 abril 2009

A propósito do 25 de Abril: um poeta de Abril

O Futuro - José Carlos Ary dos Santos


Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente
Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.

O que é preciso é termos confiança
se fizermos de maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.

22 abril 2009

obrigada

pelo almoço bom!
Por ouvires e não criticares. Por compreenderes. Por estares mais acima de tudo e de todos. Beijos muito grandes, para uma amiga maior

PS: ah e obrigado pelo vestido, claro ;)

18 abril 2009

amo-te


Anos

passaram depressa, a correr. Fui vivendo com pressa de crescer. Vou andando devagar com medo de envelhecer mais. Recosto-me num cadeirão, puxo a velha manta para os joelhos. Olho pela janela. Passaram depressa os anos. Passaram depressa 3 crianças lá fora. Passamos depressa.
Empurro os óculos pelo nariz, e deixo escapar um breve sorriso. Lembro-me da primeira vez que me viste de óculos. Passaram depressa os sorrisos. Passaram depressa os anos. Passaste depressa pela minha vida. Pela nossa vida. Cinquenta e poucos anos. Lembro-me de ti de flores. Lembro-me de ti na lambreta. Passeávamos depressa, queríamos chegar depressa à nossa casa. Fomos vivendo com pressa de crescer. Vieram os catraios. Corríamos depressa por eles, com eles. Saíram de casa depressa os catraios. Também viviam com pressa de crescer. Os anos. Há poucos que aqui estou sozinho. Passam devagar os anos, sozinho, a lembrar as tuas flores. E a tentar ver os catraios que quando passam por aqui, é sempre a correr.
Lembro-me de ti. Outra vez com a menina ao colo. Lembro-me de ti a chorar a escolher os feijões. Lembro-me de ti cansada, deitada com as mãos enrugadas. Passaram por ti depressa os anos. mas eu só me lembro do teu vestido de flores.

pequenos delírios domésticos (de outros)

Lá em casa, minha amiga
(deixe que lhe diga)
ele abre a boca, eu dá-me o sono
só gostava que nos visse
aquilo é uma molenguice
aquilo anda muito morno
eu bem tento pôr ao lume
mas depois, como é costume
vai-se o fogo e vai-se o gaz
volta-se ao mesmo marasmo

Eu bem ponho lingerie, oh oui
dou-me ares de Mata-Hari, vê-de
faço pratos e petiscos
noz-moscada, corro riscos
faço riscos na parede
a prisão é na cozinha
e a capela no chuveiro
e na cama há um canteiro
onde as flores não têm luz nem cor

Se eu lhe contar um segredo
(a medo...)
fico mais desabafada
no outro dia ouvi a chave
a rodar lá pelas nove
e fingi-me desmaiada
vê-me uma reles beijoca
se isso é que é o boca-a-boca
não vou querer que mais ninguém me salve

É certo que me distraio, saio
como p´ra longe do mundo
subo à torre, toco o sino
e num belo submarino
vou até bater no fundo
depois venho respirar, o ar
que me coube nesta vida
volto ao ponto de partida
são quase horas de ele querer jantar

Ai, amiga, se eu chegasse (ah, se...)
ao momento da verdade
dizia-lhe assim à bruta:
"Mata-ratos e cicuta
tomarás em quantidade"
a hora do telejornal
era o momento ideal
tanta guerra e tanta fome
e o meu crimezinho incólume

Deixava-o morto e sentado, de lado
com as mãos ainda ocupadas
numa o controlo remoto
e na outra o totoloto
em ambos as unhas cravadas
ia comprar espumante, ante
a surpresa do merceeiro
que malicioso e matreiro
perguntaria: "a quem vai brindar?"

Sérgio Godinho

17 abril 2009

hoje

acordei com isto na cabeça:

Clandestino, Deolinda

a noite vinha fria
negras sombras a rondavam
era meia-noite
e o meu amor tardava

a nossa casa,
a nossa vida foi de novo revirada
à meia-noite
o meu amor não estava

ai, eu não sei aonde ele está
e à nossa casa voltará
foi esse o nosso compromisso

e acaso nos tocar o azar
o combinado é não esperar
que o nosso amor é clandestino

com o bebé, escondida,
quis lá eu saber, esperei
era meia-noite
e o meu amor tardava

e arranhada pelas silvas
sei lá eu o que desejei:
não voltar nunca...
amantes, outra casa...

e quando ele por fim chegou
trazia flores que apanhou
e um brinquedo pró menino

e quando a guarda apontou
fui eu quem o abraçou
o nosso amor é clandestino

eu

às vezes só olho para o meu umbigo.

hoje soube-me a pouco

e foi assim.

07 abril 2009

Modéstia

cada vez tenho menos. E paciência também. Farto-me depressa da falsidade, hipocrisia e cinismo inerente ao trabalho. Pouca paciência, pouca modéstia. Porque às vezes acho que sou mesmo diferente disto tudo. De pessoas que vivem a vida, a vidinha. A coisa pequena, a cabeça baixa a olhar para o umbigo. O sorriso falso que só revela que não se importam com os outros. Falta-me a paciência e falta-me a modéstia. Quero ser diferente destes, pelo menos quero pensar que consigo ser melhor.

Flores



A primavera inspira. Vou ficar cheia de flores.
Por isso tenho ideias a mil. Flores na cabeça. Ideias floridas. Vontades floridas, diferentes. Do cinzento dos outros.
Flores na cabeça

27 fevereiro 2009

água

bebo água para me limpar, para chover por dentro. água lava, leva tudo. água leve, lava, limpa. por dentro limpa. para depois aparecer o sol. Com sorte ainda vejo o arco-íris. ou o da velha. um arco. acho que já não era mau. Nada mau. água. doce. salgada. água leve, lava, limpa, leva tudo.

23 fevereiro 2009

é carnaval...

ainda é carnaval. Mas na sexta-feira passada as escolas aqui da zona desfilaram pelas ruas. A miúda queria ir quando foi anunciado. No dia, a vontade já não era muita, e o facto de ter que ir de cara pintada à palhaço para a escola também não ajudou. Eu percebo: a timidez é tramada.
O resultado destas andanças aos 4 anos, faz com que seja fácil encontrar o meu palhaço no meio de cabeleiras de cor e caras pintadas: era a do nariz grande, com uma cara de zangada, de timidez, frete e de desafio:

Carolina Espanhola

Queria ser espanhola, e eu fiz-lhe a vontade. Uma máscara a puxar para a piroseira a meu ver. Vontade da menina, vontade feita. Afinal o Carnaval é dela....


Mas de manhã, com o pai a arranjar, nem sempre é fácil. E pela segunda vez na vida o homem faz um rabo-de-cavalo numa menina que odeia elásticos de cabelo...e esse homem e essa menina têm ainda que terminar a máscara com uma mantilha da minha bisavó e uma travessa da papelaria ali da esquina. Dá este resultado:



Uma espanhola (chateada) a sentir a crise ibérica:


18 fevereiro 2009

Neste tempo de sossego

e descanso, redescobri várias coisas que me tinha esquecido. A terra onde vivi tanto tempo. A importância das pessoas, da (na) minha vida. Sentimentos perdidos e escondidos na rotina. E a vontade. A vontade de mudar, de voltar a ser um bocadinho eu. Às vezes esquecemo-nos de nós, perdidos nos problemas que nem o são. O que fazer para o jantar, o que a miúda vai vestir, estender a roupa, a lista do supermercado, vacinar o cão. E a renda, e o carro, e o cabelo. Será que tenho olheiras?
Às vezes preciso de abanões. Ando a aplanar na vida tantas vezes...cai não cai. Caí? Afinal, não, hoje não. Volto a aplanar. Volto. E mais uma vez dou-me uma oportunidade. Queria só um bocadinho de mundo longe das responsabilidades (das contas, da educação, do meu trabalho, do trabalho dos outros, das contas dos outros, da educação dos outros). Será que parece mal eu tirar esta hora para dormir? Será que parece mal? Será que aterrei? Sendo certo que já não peço para voar, pelo menos conseguir planar...

01 fevereiro 2009