29 abril 2010

Verde que te quero verde

Normalmente anda descalça na relva. É inevitável. É irrecusável. Faz lembrar a infância, a relva ao pé da casa da avó. Faz-lhe lembrar os vestidos de flores, as meias de renda. O sabor a nêsperas acabadas de apanhar. O cheiro a relva molhada é irresistível. Neste intervalo de almoço atreveu-se a sair e andar mais um pouco. Mais um pouco. Um relvado e um banco. Sentou-se no banco. Foi tirando devagar um sapato e depois o outro…os saltos já tinham um pouco de relva. Passeou por cima da relva um pé, depois outro. Finalmente levanta-se e caminha um pouco. O coração a acalmar, o sorriso da avó a voltar, as memórias a regressarem. Quase sentia o sabor a chocolate na boca. Quase sentia a calma da altura. Quase sentia. O sorriso voltou aos lábios. As mãos seguravam o cabelo. Olhou para o relógio e estava na hora de voltar para o escritório. Voltou com um sorriso, a colega que queria saber tudo disse: “Voltinha à hora de almoço? Há passarinho novo, parece-me”. E fez o que nunca tinha feito, respondeu: “Não, há relva antiga!” A colega que queria saber tudo não percebeu. Nunca iria saber que a menina Amélia tinha andado descalça na relva. Nunca iria perceber que a menina Amélia com quase 50 anos também já tinha sido mesmo mesmo menina. Já tinha tido avós. E que sabia sorrir, há muitos anos que não o fazia, mas sabia sorrir, quando as cócegas da relva lhe tocavam na alma.