09 novembro 2012

Voltar

No meio do deserto, ele caminhou nas poças de água.
No meio do deserto, ele conheceu a cor das flores.
No meio do deserto, ele procurou os pingos mais grossos da chuva.
No meio do deserto.
 As cores feitas outono, os cheiros feitos inverno.

No meio do deserto, ele relembrou a meninice.
O cheiro a manteiga nos dedos, a cor negra por baixo das unhas, as lágrimas engolidas para não dar parte fraca com as quedas e arranhões nos jogos da bola.

No meio do deserto, ele procurou o conforto.
No meio do nada e tudo a aparecer como se fosse um caleidoscópio que gira incansavelmente.

No meio do deserto ficou desconcertado.
Como controlar as ideias?
Esta saudade do passado. Da meninice. Do bom dia, senhora professora.
Como parar esta onda gigante que se apoderava dos sentimentos, da razão, do coração?

No meio do deserto, ele esperava ainda por ela. Que não voltou. Que não voltará. Que não vai voltar nunca. Procurava a sua mão. Procurava o seu olhar. Ansiava por caricias no cabelo. Não vinham. Nunca vieram. Nunca estiveram.

Mas mesmo sem elas, sem elas nunca terem aparecido, ele achava que sabia como eram. Como elas aconchegavam, como elas cheiravam, como elas soavam. 
No meio do deserto e isto a passar pela cabeça.
Isto que há tantos anos que não aparecia assim tão vívido. Nestas palavras, nestes sentimentos, com esta força.
Claro que todos os dias o sentia. Claro que todos os dias o pressentia lá ao longe, a espreitar. Mas por isto ou por aquilo, não tinham coragem de aparecer assim de forma tão explícita.

Ela. A falta dela. A espera. Desde aquele dia do ”Até logo”. Não sabia que era até sempre. Não. Não vai ser até sempre. Um dia ela volta. Eu sei. Uma mãe volta sempre.