10 fevereiro 2010

piloto automático

Ela que até gosta de sol nem reparava que o dia amanhecia lento e dengoso com os raios a surgirem. Há dias que nem repara se há sol ou chuva. Há dias assim. Há dias quem nem sabe o que almoçou. Há dias em piloto automático. Há demasiados dias assim.
Dias em que espera. Por alguma coisa. Não sabe o quê. Nem nunca saberá. Todos os dias em que abre o cortinado do quarto. Todos os dias que vê a rua e não vê as pessoas. Todos os dias que no autocarro, onde não há lugares sentados, não vê ninguém. Demasiados dias. Demasiadas pessoas. Demasiadas palavras. Demasiado para ela. Viveu anos em piloto automático. Anos assim, nasceram, cresceram, saíram de casa. Mudou cortinas, tapetes, quadros, toalhas, chão, pintou, lavou, escovou, cortou, cozinhou, carregou, arrumou. Em piloto automático. Em piloto automático levantava-se. Em piloto automático deitava-se. Os filhos foram feitos em piloto automático. Mas nesse dia, ao sair do autocarro, caiu. Caiu o piloto também. Viu que havia sol. Hoje há sol, disse quando se levantou e agradeceu o amparo do jovem que a ajudava. Chegou a casa e anunciou ao gato: hoje há sol. Há dias que não há sol. Hoje há sol. Foi à cozinha e não arrumou nem cozinhou, nem lavou, nem nada.
Foi ao quarto arrumou numa mala grande demasiadamente grande para toda a vida de roupa e arrumou. Dobrou. Arrumou. E quando ele chegou disse: hoje há sol nesta noite escura. Ele nem a ouviu. Procurou os chinelos. Procurou o roupão. Perguntou por eles. Ela disse estão na mala grande viagem, demasiadamente pequena para os raios perdidos de sol.

1 comentário:

Anónimo disse...

tantos pilotos automáticos que caem....